Ícone do site Jornal Sumaré

Alcoólatra em recuperação, me vi numa samambaia murcha – 18/08/2025 – Vida de Alcoólatra

Alcoólatra em recuperação, me vi numa samambaia murcha - 18/08/2025 - Vida de Alcoólatra


Era a primeira vez que eu iria para a praia desde que comecei minha recuperação. Um momento nervoso, com muita expectativa e, claro, muito medo. Para quem sempre associou o ambiente praiano à bebida —caipirinhas, cerveja na areia, brindes etc.— é um verdadeiro teste de resistência. Mesmo assim, aceitei o convite de algumas amigas, que me garantiram que não haveria pressão, que seria tranquilo, e que estariam comigo o tempo todo. Acreditei nelas. Fiz minha mala com cuidado, revirei a casa inteira para ver se estava tudo bem e deixei meu cachorro com meu irmão.

Não sou a única a enfrentar esse tipo de desafio no começo da recuperação. Já ouvi um companheiro de grupo dizer: “O que eu vou fazer na praia se não posso beber?”. E eu entendo. A praia é um espaço de descontração, e relaxar parece quase sempre estar ligado a beber. Mas dessa vez foi diferente. Minhas amigas foram atenciosas. Poucas tomaram alguma coisa alcoólica, e várias não saíram do meu lado. Me senti segura, acolhida. E, principalmente, feliz. Afinal, eu amo a praia —o mar, o calor, o sol bronzeando a pele. Tudo isso me trouxe uma alegria.

Foram quatro dias incríveis. Voltei para São Paulo renovada. Peguei meu cachorro e fui para casa. Mas, ao abrir a porta, dei de cara com minha samambaia: ela estava quase morta. Suas folhas estavam ressecadas, marrons, pendendo para baixo. Era a única planta que eu tinha em casa, e não era qualquer planta. Tinha um valor simbólico enorme —foi um presente da minha mãe no início da minha abstinência.

Caí num choro desproporcional, mas que carregava muito mais do que só tristeza por uma planta murcha. Era o acúmulo de sentimentos: a tensão da viagem, o medo de ter uma recaída, o cansaço e a culpa da samambaia. No meio do choro, uma amiga apareceu para saber como tinha sido a viagem. Contei tudo, e ao mostrar a samambaia, ela respondeu sem pensar muito: “Joga fora, Alice.” Aquilo me atingiu de um jeito estranho. Não consegui aceitar. Olhei para ela e disse: “Eu prometi que não ia mais desistir de nada.”

Resolvi tentar salvar minha planta. Pesquisei na internet como recuperar uma samambaia agonizante. Cortei todas as partes secas com cuidado, restaram apenas duas folhas verdes, frágeis, mas vivas. Me apeguei a elas. Comprei fertilizante, reguei com atenção, coloquei onde ela recebia luz, mas não muita. Dia após dia, comecei a ver sinais de melhora. Novas folhas surgindo, verdinhas.

Percebi o quanto aquela planta era um reflexo da minha jornada. Assim como ela, eu também fui murchando ao longo dos anos. E assim como eu, ela não precisava ser descartada. Bastava cuidado, tempo e paciência. A recuperação, tanto da planta quanto a minha, não aconteceu de um dia para o outro. Levei semanas para conseguir dormir bem, meses para conseguir ler um livro inteiro novamente, outros tantos para voltar a comer com prazer.

Hoje olho para minha samambaia e me vejo nela. Resistente. Viva. Ainda em crescimento. E sei que, assim como decidi não desistir dela, não posso desistir de mim.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.



Fonte: Folha de São Paulo

Share this content:

Sair da versão mobile