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Ambulatório tem 17 especialidades médicas a refugiados – 18/09/2025 – Equilíbrio e Saúde

Ambulatório tem 17 especialidades médicas a refugiados - 18/09/2025 - Equilíbrio e Saúde


O primeiro ambulatório focado na saúde integral de refugiados da cidade de São Paulo nasceu da vontade de um médico em maio de 2023. De lá para cá, foram mais de 400 consultas, no começo, feitas em um hospital universitário, sem sala definida. Na próxima terça-feira (23), o Núcleo de Assistência à Saúde do Refugiado completa um ano com sede própria. Em uma casa na Vila Clementino, zona sul da capital paulista, atende gratuitamente pacientes de 21 países.

Filho de imigrantes, Murched Omar Taha, 77, professor sênior aposentado da Escola Paulista de Medicina, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), conta que sempre atendeu refugiados de origem árabe em consultas pontuais. Ele decidiu estruturar o trabalho após a aposentadoria compulsória, em janeiro de 2023. Temia que seus pacientes ficassem desassistidos.

“Cheguei para o superintendente do hospital, Nacime Salomão Mansur, e falei que queria criar um núcleo de assistência aos refugiados. Ele assinou na hora, porque também é filho de imigrantes”, afirmou Taha, que é cirurgião do aparelho digestório.

A estrutura, mantida em colaboração com o Hospital São Paulo, da Unifesp, onde os atendimentos começaram, conta com 50 profissionais voluntários, entre médicos, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos e tradutores, que lidam com pacientes de países como Síria, Palestina, Venezuela, Nigéria, Haiti, Rússia, Gana e Mali.

Ali são oferecidas consultas em 17 especialidades como pediatria, clínica médica, ginecologia, ortopedia, psiquiatria, neurologia, oftalmologia, urologia, gastroenterologia e odontologia, além de partos e cirurgias em várias especialidades. O núcleo também encaminha casos para exames e cirurgias em hospitais parceiros.

EQUIPE VOLUNTÁRIA

A equipe é formada por médicos ligados à Unifesp e particulares. “A maioria foi convidada por mim, mas hoje já temos profissionais que procuram o núcleo para colaborar. Só nesta semana, duas enfermeiras pediram para ajudar”, conta Taha.

Tradutores voluntários também dão suporte. Há ainda colaboradores que auxiliam em francês e farsi, idioma do Irã e falado por refugiados vindos do Afeganistão.

Um dos voluntários é o cirurgião e clínico geral Luiz Ota, 74. Enquanto organizava receitas para uma família afegã recém-chegada ao Brasil, o filho de japoneses contou por que decidiu dedicar parte do seu tempo livre ao projeto.

“Meus pais são imigrantes. Eles foram acolhidos muito bem aqui. É uma forma de retribuir o que receberam lá atrás. Mas não é só isso: é uma questão humanitária. Como você pode negar atendimento a alguém?”

Para ele, o retorno desse trabalho vai além da prática médica. “Refugiados respeitam muito a gente porque sabem que o tempo que a gente dedica não é por dinheiro. Você sente a gratidão no aperto de mão na hora de sair, é mais forte. Eles veem o brasileiro como um povo acolhedor.”

Um dos casos que mais marcaram o coordenador foi o de uma família afegã com nove integrantes. O pai foi atendido por um otorrino, e a filha e a nora, por uma ginecologista. Quem ajudou na tradução foi a filha mais nova da família de pacientes, recém-formada em medicina no país de origem.

“É um exemplo de como muitos refugiados vêm de famílias com alto nível educacional e boa condição econômica, mas são obrigados a deixar tudo para trás por perseguições políticas”, diz Taha.

Ele lembra a história de uma marroquina casada com um iraquiano. Ela chegou sozinha ao Brasil, grávida, sem falar português, apenas árabe e francês. “Fui chamado para traduzir durante o parto. Descobrimos ali uma lesão que impedia anestesia peridural. A criança nasceu com problemas graves, acabou não resistindo. Mas, graças a esse nascimento, o pai conseguiu status de refugiado e veio para o país”, conta o médico.

Além de questões de estrutura física e limitação de recursos, o ambulatório enfrenta desafios ligados à cultura e ao idioma. Segundo Taha, algumas mulheres não aceitam ser atendidas por homens e exigem adaptação no atendimento.

Essas barreiras tornam o acompanhamento no sistema de saúde regular ainda mais difícil. “O refugiado pode morar em qualquer bairro. Mesmo com hospital e UPA próximos, se não fala o idioma, fica perdido. Aqui, ao menos, sabemos acolher e garantir tradução.”

Quando o ambulatório não consegue realizar procedimentos, os pacientes são encaminhados ao Hospital São Paulo ou ao Amparo Maternal, no caso de partos. Exames e cirurgias também são realizados em parceria com a rede hospitalar, com apoio de instituições como a Cruz Vermelha Brasileira, associações de assistência a refugiados e contribuições privadas.

De acordo com Taha, a média é de duas a três consultas diárias. Mas ele planeja ampliar o serviço à medida que a demanda crescer. Um instituto ligado ao núcleo foi criado para viabilizar futuras arrecadações e investimentos. Todos os atendimentos, cirurgias e exames são gratuitos.



Fonte: Folha de São Paulo

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