Jarid Arraes: Pedófilos montaram um jogo perverso para mim – 18/09/2025 – Equilíbrio
O nickname Jajazinha_12 era um letreiro neon. Por R$ 1,99 convença essa menina de 12 anos a enviar fotos e a responder se é virgem.
“sim.”
Com a chegada do Computador do Milhão, parceria entre Silvio Santos e Microsoft, descobri a internet discada e um canal de bate-papo no mIRC. O computador ficava isolado, a novidade era toda minha. Aprendi a fazer downloads e tive acesso livre a uma câmera digital Sony Cybershot.
Vestindo uma camiseta do Iron Maiden nas fotos, vi meu chat tão lotado de homens que precisei filtrar.
“vc gosta de metal? eu tbm”
Aprovado.
“q bicho feio na camiseta kk”
Próximo.
Eu não achava estranho que homens mais velhos quisessem conversar comigo. Eles diziam que eu era inteligente e madura para minha idade. A vida online era incrível, bastava que “Jajazinha_12 ouvindo Metallica” aparecesse e eu me tornava a garota mais impressionante do mundo.
Quando encontrei Antônio, ele parecia mais nervoso do que impressionado. Perguntou se não o achava velho, já que tinha 31 —um ano a mais que meu pai, que ele conhecia, então seria melhor manter segredo. Naquela tarde, falamos sobre música e fomos de carro até uma estrada de terra onde, no banco de trás, eu tecnicamente continuei virgem.
Antônio conversava sobre vários assuntos, mas apesar dos diálogos pessoais, jamais poderia ser sua namorada, por isso aceitava as sombras. Nas madrugadas, ele desabafava sobre como era difícil gostar de meninas novas. Disse que sonhou com a polícia levando seu computador. Em seguida me enviou fotos pornográficas de uma menininha que parecia ter menos de cinco anos. Eu me senti tão mal que deletei tudo e fingi não ter visto.
Na noite do primeiro show de sua banda, ele beijou minha bochecha e disse que precisava correr para testar o som. Dias depois, seu irmão, João, me chamou online. Ele também tinha um carro, pediu segredo e, claro, respeitou minha virgindade.
Paulo, por outro lado, enviou “qro ser o primeiro” para meu Nokia 3310. Tinha 42 anos e uma filha de 11.
“e se sua filha sair c 1 cara +velho?”
“n me preocupo, conversamos mto”
Paulo pediu que eu levasse minha amiga de dez anos. Desisti do encontro.
Lembrando hoje, identifico o jogo perverso que montaram. Nenhum deles se importava se eu era inteligente. A música e a literatura eram atalhos para minha confiança anêmica. Depois contavam para outros pedófilos amigos. Quase todos se conheciam.
Aos sábados, estávamos nos mesmos bares. Eu usava meia arrastão e bebia vinho de R$ 2. Os adultos me aceitavam no grupo. Como não? Fui introduzida por meu pai, com quem eu chegava —após encher o tanque da moto dele usando meu dinheiro do lanche.
De vez em quando, alguém novo perguntava minha idade e desistia da investida ao ouvir 13 ou “quase 14”. Lucas foi um caso curioso. No meu aniversário de 14 anos, me levou ao parque da Expocrato, vazio e escuro, e rompeu minha virgindade técnica. Voltei para casa com a calcinha manchada de sangue e muita dor.
De acordo com o artigo 217-A do Código Penal, é proibido “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”. Imagino que Lucas tenha esperado o exato tempo mínimo.
Eu era, sim, uma garota inteligente, mas carregava uma grande angústia existencial e ideações suicidas, resultado de muitos anos de abusos, entre eles o sexual, cometido por dois homens da família, pelo menos dos meus três anos até os 13. Eu era vulnerável. Meu suposto consentimento revelava uma criança que teve contatos precoces e violentos com o sexo, que foi xingada e ameaçada de morte incontáveis vezes. Eu não poderia ter consentido aos 12. Nem aos 14.
Tenho observado pessoas ramificando as ações de Felca, as repercussões e a investigação de Hytalo Santos e Israel Vicente para todas as direções: porque Felca é homem, porque Felca é branco, porque Hytalo não é branco, porque Hytalo e Israel são gays, e se fosse de outro jeito, e se fosse pobre?
Há um mês, postei no Threads que vi um ex-colega de trabalho deixar um emoji de foguinho na foto de um adolescente sem camisa. Cliquei e confirmei a suspeita: nascido em 2012. Senti raiva, repulsa. Parei de seguir o ex-colega e fiz o post. Recebi uma chuva de comentários.
“A partir dos 14 anos, a lei NÃO IMPEDE, goste você ou não!”
“Se esse garoto não for menor de idade, não há problema algum.”
Questionei se o segundo tinha lido a palavra “adolescente”, ele respondeu que “a adolescência vai até 24 anos”. Para o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), vai dos 12 aos 18.
Hoje sei identificar predadores.
Eu fui mais uma presa na internet e fora dela. Ninguém foi denunciado. Depois de muitos anos em silêncio, escolhi falar, mas preciso trocar nomes e pisar em ovos. Eu nunca vou receber justiça.
Em 2024, após quase concretizar o suicídio, entendi que na impossibilidade de justiça, tenho a vingança. Publicar “Caminho para o Grito”, meu novo livro de poemas que elaboram esses traumas, é uma forma de vingança.
Minha vingança também é publicar este texto.
É ser a adulta de quem eu precisava quando era criança.
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