Livro questiona se é possível aprender a não ser macho – 13/09/2025 – Equilíbrio

Livro Questiona Se É Possível Aprender A Não Ser Macho - 13/09/2025 - Equilíbrio

Livro questiona se é possível aprender a não ser macho – 13/09/2025 – Equilíbrio


No seu último livro, “Macho Menos: Ideas para Desconstruirte” (“Menos Macho: Ideias Para Se Desconstruir”, em tradução livre), o jornalista mexicano Nacho Lozano faz uma pergunta capciosa aos seus leitores. “É possível aprender a não ser macho?”

O próprio Lozano responde com total segurança: “Sim, e ninguém deveria morrer tentando. Não se trata de sofrer, nem de se sacrificar, mas de não fazer outras pessoas sofrerem, nem sacrificá-las.”

Nacho Lozano nasceu na Cidade do México, em 1985. Ele é o autor do livro Marihuana a la Mexicana (“Maconha à Mexicana”).

É também um dos autores de El Priista que Todos Llevamos Dentro (“O Priista que todos levamos dentro de nós”). Nesse contexto, priista é o membro do Partido Revolucionário Institucional mexicano.

Em Macho Menos, o jornalista fala com diversas mulheres: escritoras, políticas, cientistas, uma astronauta e até uma Miss Universo. Ele busca por pistas que o ajudem a diminuir a quantidade de machos no mundo, em sua própria cruzada feminista.

No sexto capítulo, o autor nos surpreende propondo uma dramatização: “Homem, imagine-se sendo mulher.” Ele então explica, de forma incisiva:

“Para deixar de ser macho, você precisará imaginar como é viver, na própria carne, ouvindo que, calada, você é mais bonita… Que, hoje, quando você subir na caminhonete, alguém irá tocar nas suas nádegas… Que seu pai obriga você a lavar tudo, que ninguém deixa você decidir o que fazer com o dinheiro em casa…”

Lozano afirma em seu livro que “o feminista confesso é bombardeado com críticas, agressões e olhares para o céu. ‘Você se comporta como mulher, não se rebaixe.'”

A BBC News Mundo —o serviço em espanhol da BBC— conversou com Nacho Lozano durante o Hay Festival Querétaro, realizado no México entre os dias 4 e 7 de setembro de 2025.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

BBC: O que é ser macho para você?

Nacho Lozano: É um homem que assume uma superioridade de gênero, toma vantagem disso e desenvolve sua masculinidade se impondo.

E a forma de fazer isso pode ser violenta em diversos campos, particularmente contra as pessoas que se identificam com o gênero feminino.

Eles consideram que detêm superioridade física, intelectual e econômica, que é como se convencionou conservar um grupo de machos: “a renda é nossa”.

Um macho é constituído de dinheiro. Ele não se observa, não se compreende, não se explica sem patrimônio. É preciso protegê-lo e cultivar poder entre outros machos para que ninguém os ameace.

Um macho é alguém que promove a impunidade, que mantém um pacto de silêncio entre seus colegas machos para se proteger dos delitos cometidos.

BBC: Você já foi macho?

Lozano: Vivendo em uma sociedade machista, nós nos tornamos machos.

Em algum momento da minha infância, assumi machismos com outros companheiros.

Se você me perguntar ‘você bateu em uma mulher?’ ou ‘você violentou uma mulher?’, a resposta será não. Mas, se você perguntar ‘você praticou os códigos do machismo?’, desde que nasci, havia papéis de gênero na minha casa, como em todas as famílias.

Os meninos tinham autorização para ir para a aula de Educação Física de calças, mas as meninas não. E você não percebe nada até que se problematize, até que venha uma colega e diga “veja, isso é uma violência comigo”.

O uso da linguagem, suas maneiras, aquilo que você acreditava que era ser homem se torna violento para elas.

BBC: E quando você começou a examinar a situação e observar o machismo de outra forma?

Lozano: Quando estava crescendo com minha família, onde há muitas mulheres e elas começaram a me educar, me fazendo entender que é possível deixar de lado essas imposições e criar uma identidade que não seja violenta, que você pode explorar opções de respeito com sua masculinidade.

Sou jornalista há 23 anos e conto seis ou sete vezes por semana, uma vez por dia, casos de violência contra mulheres. E vejo o México entorpecido: enquanto não acontecer comigo, não há nada com que se preocupar.

Isso pode se transformar em cumplicidade. Por isso, é preciso contar essas histórias, acompanhar as denúncias e analisar nossa vida íntima.

E, quando cometermos erros, dizer: ‘veja, eu errei’, tentar reparar e continuar aprendendo.

BBC: Homem, imagine ser mulher, propõe você no seu livro. Você fez este exercício com outros homens?

Lozano: Sim, fiz e é um exercício miserável, degradante, pois extrai o pior daqueles homens.

Este capítulo é difícil, mas não tanto quanto viver na própria carne o que os convidamos a imaginar.

Eles respondem dizendo: “O quê? Isso acontece com as mulheres! Conosco, como irão apertar as nádegas? Com as mulheres, é justificável, pois elas andam com a roupa muito colada.”

Outros colegas confrontaram os homens frente às câmeras, imaginando estarem passando pelo que as mulheres enfrentam, não uma vez por semana, mas sete vezes por dia.

Imagine não só questões biológicas e fisiológicas, mas também sociais e políticas, que fazem com que ser mulher passe a ser motivo de reprovação.

Os homens reagem com compaixão: “sim, coitadas”, não é verdade? E o que mais? Você vai ficar aí ou vai assumir que somos responsáveis por isso?

Parece que estamos muito tranquilos, enquanto as mulheres assumem o papel do Estado mexicano, como mães buscadoras, ou se tornam vítimas de exploração sexual, por hipocrisia frente às trabalhadoras sexuais. Vamos superar isso, certo?

BBC: A escritora Brenda Navarro afirma que os homens mexicanos só choram quando estão embriagados ou ouvindo o cantor mexicano José José. O bar, cuja entrada era proibida para as mulheres, era o único lugar onde eles podiam, com um copo, mostrar suas dores.

Navarro: O exemplo dos bares traz diversos pontos.

Aquele era o lugar onde os homens podiam ser eles mesmos, sofrer pelo que é ser homem, pobrezinhos. Você só pode chorar, se abrir, se deprimir, ser sincero por meio do álcool.

A exposição, a vulnerabilidade e as emoções à flor da pele ficam por conta das mulheres, pois nós, homens, temos apenas um lugar onde mostramos nossas feridas e as curamos entre nós.

Mas não é em todo lugar do México que as mulheres eram proibidas de entrar nos bares. Em alguns, era permitido, mas, claro, como trabalhadoras sexuais, camareiras ou funcionárias, não como alguém que tivesse dinheiro e poder para pagar por uma bebida.

Perguntei a Patrícia Mercado, legisladora e ex-candidata à presidência do México: “As mulheres ganham bem?”

Ela respondeu “não, continuamos passando mal, não sabemos o que é o poder, pois os homens não o liberam”.

“Porque, quando temos qualificação profissional e dinheiro para sermos autônomas, podemos ir ao bar, ao hotel, aonde tivermos vontade, e vocês não gostam disso.”

BBC: Você também critica outras reações dos homens quando fala para eles sobre mudanças…

Lozano: Ah! Já me perguntaram “por que a lei não tipifica o assassinato especificamente de homens [em oposição ao feminicídio]?”

Já aconteceu em palestras, no rádio, na televisão, são comentários que chegam, às vezes.

Perguntei para várias mulheres e muitas delas, muito pacientes, me dizem que é preciso explicar para eles.

Ocorre que nem as vítimas, nem as ativistas, nem os jornalistas, nem as mulheres teriam que assumir a responsabilidade de educar os homens que pensam desta forma.

São as armadilhas que eles querem colocar para reduzir a gravidade de um feminicídio, quando a motivação de um feminicídio não se compara com um homicídio.

Esses homens acreditam que não se deve mudar as coisas e geram uma espécie de violência pela qual devem ser responsabilizados.

Hoje, eles falam livremente em fóruns, nas redes sociais, nas suas casas. Mas, se alguém os acusar de ódio, irão enfrentar a justiça e precisarão explicar ao juiz o que eles pensam, que é preciso criar o instituto dos homens e o homicídio dos homens, mas o que eles vêm fazendo é uma violência.

BBC: E, agora que se fala sobre as novas masculinidades, o que você diria que elas são?

Navarro: Não tenho a menor ideia.

Já vi contas em redes sociais, livros, conversei com colegas que promovem isso. Eles têm boas intenções: deixarmos de ser violentos e nos transformarmos para ter uma sociedade de respeito.

O feminino ou o masculino, para mim, podem ser diferente para você. Nós, as pessoas, somos seres autênticos e excepcionais.

Não acredito que a masculinidade ou a feminilidade deva ser exercida de certa forma, com certas regras ou parâmetros, maneiras, rótulos e preços. É importante sermos o que quisermos, o direito íntimo de desenvolver livremente a nossa personalidade.

[A escritora francesa] Annie Ernaux tem um livro sensacional, Olhe as Luzes, Meu Amor [Ed. Fósforo, 2024]. Nele, ela reflete sobre o que acontece nos corredores de brinquedos das lojas, onde fica boa parte da origem dos papéis de gênero.

Vamos pensar em um menino com 6 ou 7 anos de idade. Se ele escolher uma cozinha de brinquedo, seu pai irá dizer: “O que está acontecendo? Você não é fresco, não é afeminado, vá para o corredor dos meninos.”

E, se uma menina escolher um foguete, ela ouve: “Você é lésbica? Vá para o corredor das meninas.”

E o que você encontra no corredor dos meninos? A construção e a destruição.

Ali, ficam o espaço, a engenharia, a arquitetura, os castelos, o domínio das outras espécies, as pistolas que começam a marcar em você a vontade de decidir quando uma pessoa deve viver ou não, o controle, a velocidade, os carros, os trens.

No outro corredor, o das meninas, ficam o cuidado, a beleza, a cozinha, a atenção.

O que teria acontecido com o menino se ele tivesse ganhado a cozinha? Certamente, teríamos mais defensores do patrimônio gastronômico das comunidades regionais.

E se tivessem dito “sim, vamos comprar” ao menino que queria uma boneca? Na melhor das hipóteses, teríamos paternidades mais responsáveis, treinadas desde a infância.

Quantas astrônomas e engenheiras teríamos se as meninas ganhassem foguetes? Discuto isso com a astronauta mexicana Katya Echazarreta, que estudou em salas de aula nas quais, muitas vezes, ela era a única mulher.

BBC: Como se desconstrói um macho? Como você fez?

Lozano: Começo com a psicanálise para analisar a mim mesmo e observar o uso das palavras. Os significados que eu usava tinham viés machista.

Analiso as palavras “mãe” e “pai” e o uso que elas têm na minha cultura. Entendo que as palavras são elos de uma cadeia que pode terminar em feminicídio. Você, então, começa a eliminá-las.

Você se desconstrói estudando o feminismo, ouvindo as mulheres.

[A escritora mexicana] Cristina Rivera Garza defende que é preciso ouvi-las e observá-las ainda mais. Isso começa a mudar tudo, despertar a criatividade e libertar a imaginação para esculpir uma masculinidade que não seja agressiva.

A partir daí, abordar a realidade: o que você for encontrando, os erros que você cometer, ler, conversar. O que fizer você chorar e s entir profundamente, sem culpa nem hipocrisia, para fazer o que quiser, sem atropelar ninguém.

Este texto foi originalmente publicado aqui.



Fonte: Folha de São Paulo

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